Queridos
Irmãos!
Como é bom e
agradável encontrar-me aqui com vocês, Bispos do Brasil!
Obrigado por
terem vindo, e permitam que lhes fale como amigos, pelo que prefiro usar o
castelhano, para poder expressar melhor aquilo que levo no coração. Peço-lhes
que me perdoem!
Retiramo-nos
um pouco, neste lugar preparado por nosso irmão Dom Orani, para estar sozinhos
e poder falar de coração a coração como Pastores a quem Deus confiou o seu
Rebanho. Nas ruas do Rio, jovens de todo o mundo e muitas outras multidões
estão esperando por nós, necessitados de serem envolvidos pelo olhar
misericordioso de Cristo Bom Pastor, que nós somos chamados a tornar presente.
Por isso, gozemos deste momento de descanso, de partilha, de verdadeira
fraternidade.
Começando pela
Presidência da Conferência Episcopal e do Arcebispo do Rio de Janeiro, quero
abraçar a todos e cada um, especialmente aos Bispos eméritos.
Mais do que um
discurso formal, quero compartilhar algumas reflexões com vocês.
A primeira
veio à minha mente, quando da outra vez visitei o Santuário de Aparecida. Lá,
ao pé da imagem da Imaculada Conceição, eu rezei por vocês, por suas Igrejas,
por seus presbíteros, religiosos e religiosas, por seus seminaristas, pelos
leigos e as suas famílias, em particular pelos jovens e os idosos, já que ambos
constituem a esperança de um povo: os jovens, porque eles carregam a força, o
sonho, a esperança do futuro, e os idosos, porque eles são a memória, a
sabedoria de um povo.[1]
1. Aparecida:
chave de leitura para a missão da Igreja
Em Aparecida,
Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe. Mas, em Aparecida, Deus deu também
uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir. Uma lição sobre a
humildade que pertence a Deus como traço essencial e que está no DNA de Deus.
Há algo de perene para aprender sobre Deus e sobre a Igreja, em Aparecida; um
ensinamento, que nem a Igreja no Brasil nem o próprio Brasil devem esquecer.
No início do
evento que é Aparecida, está a busca dos pescadores pobres. Tanta fome e poucos
recursos. As pessoas sempre precisam de pão. Os homens partem sempre das suas
carências, mesmo hoje.
Possuem um
barco frágil, inadequado; têm redes decadentes, talvez mesmo danificadas,
insuficientes.
Primeiro, há a
labuta, talvez o cansaço, pela pesca, mas o resultado é escasso: um falimento,
um insucesso. Apesar dos esforços, as redes estão vazias.
Depois, quando
foi da vontade de Deus, comparece Ele mesmo no seu Mistério. As águas são
profundas e, todavia, encerram sempre a possibilidade de Deus; e Ele chegou de
surpresa, quem sabe quando já não o esperávamos. A paciência dos que esperam
por Ele é sempre posta à prova. E Deus chegou de uma maneira nova, porque Deus
é surpresa: uma imagem de barro frágil, escurecida pelas águas do rio,
envelhecida também pelo tempo. Deus entra sempre nas vestes da pequenez.
Veem então a
imagem da Imaculada Conceição. Primeiro o corpo, depois a cabeça, em seguida a
unificação de corpo e cabeça: a unidade. Aquilo que estava quebrado retoma a
unidade. O Brasil colonial estava dividido pelo muro vergonhoso da escravatura.
Nossa Senhora Aparecida se apresenta com a face negra, primeiro dividida mas
depois unida, nas mãos dos pescadores.
Há aqui um
ensinamento que Deus quer nos oferecer. Sua beleza refletida na Mãe, concebida
sem pecado original, emerge da obscuridade do rio. Em Aparecida, logo desde o
início, Deus dá uma mensagem de recomposição do que está fraturado, de
compactação do que está dividido. Muros, abismos, distâncias ainda hoje
existentes estão destinados a desaparecer. A Igreja não pode descurar esta
lição: ser instrumento de reconciliação.
Os pescadores
não desprezam o mistério encontrado no rio, embora seja um mistério que aparece
incompleto. Não jogam fora os pedaços do mistério. Esperam a plenitude. E esta
não demora a chegar. Há aqui algo de sabedoria que devemos aprender. Há pedaços
de um mistério, como partes de um mosaico, que vamos encontrando. Nós queremos
ver muito rápido a totalidade; e Deus, pelo contrário, Se faz ver
pouco a pouco. Também a Igreja deve aprender esta expectativa.
Depois, os
pescadores trazem para casa o mistério. O povo simples tem sempre espaço para
albergar o mistério. Talvez nós tenhamos reduzido a nossa exposição do mistério
a uma explicação racional; no povo, pelo contrário, o mistério entra pelo
coração. Na casa dos pobres, Deus encontra sempre lugar.
Os pescadores
agasalham: revestem o mistério da Virgem pescada, como se Ela tivesse frio e
precisasse ser aquecida. Deus pede para ficar abrigado na parte mais quente de
nós mesmos: o coração. Depois é Deus que irradia o calor de que precisamos, mas
primeiro entra com o subterfúgio de quem mendiga. Os pescadores cobrem o
mistério da Virgem com o manto pobre da sua fé. Chamam os vizinhos para verem a
beleza encontrada; eles se reúnem à volta dela; contam as suas penas em sua
presença e lhe confiam as suas causas. Permitem assim que possam implementar-se
as intenções de Deus: uma graça, depois a outra; uma graça que abre para outra;
uma graça que prepara outra. Gradualmente Deus vai desdobrando a humildade
misteriosa de sua força.
Há muito para
aprender nessa atitude dos pescadores. Uma Igreja que dá espaço ao mistério de
Deus; uma Igreja que alberga de tal modo em si mesma esse mistério, que ele
possa encantar as pessoas, atraí-las. Somente a beleza de Deus pode atrair. O
caminho de Deus é o encanto que atrai. Deus faz-se levar para casa. Ele
desperta no homem o desejo de guardá-lo em sua própria vida, na própria casa,
em seu coração. Ele desperta em nós o desejo de chamar os vizinhos, para
dar-lhes a conhecer a sua beleza. A missão nasce precisamente dessa fascinação
divina, dessa maravilha do encontro. Falamos de missão, de Igreja missionária.
Penso nos pescadores que chamam seus vizinhos para verem o mistério da Virgem.
Sem a simplicidade do seu comportamento, a nossa missão está fadada ao
fracasso.
A Igreja tem
sempre a necessidade urgente de não desaprender a lição de Aparecida; não a
pode esquecer. As redes da Igreja são frágeis, talvez remendadas; a barca da
Igreja não tem a força dos grandes transatlânticos que cruzam os oceanos. E,
contudo, Deus quer se manifestar justamente através dos nossos meios, meios
pobres, porque é sempre Ele que está agindo.
Queridos
irmãos, o resultado do trabalho pastoral não assenta na riqueza dos recursos,
mas na criatividade do amor. Fazem falta certamente a tenacidade, a fadiga, o
trabalho, o planejamento, a organização, mas, antes de tudo, você deve saber
que a força da Igreja não reside nela própria, mas se esconde nas águas
profundas de Deus, nas quais ela é chamada a lançar as redes.
Outra lição
que a Igreja deve sempre lembrar é que não pode afastar-se da simplicidade;
caso contrário, desaprende a linguagem do Mistério. E não só ela fica fora da
porta do Mistério, mas, obviamente, não consegue entrar naqueles que pretendem
da Igreja aquilo que não podem dar-se por si mesmos: Deus. Às vezes, perdemos
aqueles que não nos entendem, porque desaprendemos a simplicidade, inclusive
importando de fora uma racionalidade alheia ao nosso povo. Sem a gramática da
simplicidade, a Igreja se priva das condições que tornam possível «pescar» Deus
nas águas profundas do seu Mistério.
Uma última
lembrança: Aparecida surgiu em um lugar de cruzamento. A estrada que ligava
Rio, a capital, com São Paulo, a província empreendedora que estava nascendo, e
Minas Gerais, as minas muito cobiçadas pelas cortes europeias: uma encruzilhada
do Brasil colonial. Deus aparece nos cruzamentos. A Igreja no Brasil não pode
esquecer esta vocação inscrita em si mesma desde a sua primeira respiração: ser
capaz de sístole e diástole, de recolher e divulgar.
2. Apreço pelo
percurso da Igreja no Brasil
Os Bispos de
Roma tiveram sempre o Brasil e sua Igreja em seu coração. Um maravilhoso
percurso foi realizado. Passou-se das 12 dioceses durante o Concílio Vaticano I
para as atuais 275 circunscrições. Não teve início a expansão de um aparato
governamental ou de uma empresa, mas sim o dinamismo dos «cinco pães e dois
peixes» – de que fala o Evangelho – que, entrando em contato com a bondade do
Pai, em mãos calejadas, tornaram-se fecundos.
Hoje, queria
agradecer o trabalho sem parcimônia de vocês, Pastores, em suas Igrejas. Penso
nos Bispos nas florestas, subindo e descendo os rios, nas regiões semiáridas,
no Pantanal, na pampa, nas selvas urbanas das megalópoles. Amem sempre, com
total dedicação, o seu rebanho! Mas penso também em tantos nomes e tantas
faces, que deixaram marcas indeléveis no caminho da Igreja no Brasil, fazendo
palpar com a mão a grande bondade de Deus por esta Igreja[2].
Os Bispos de
Roma nunca lhes deixaram sós; seguiram de perto, encorajaram, acompanharam. Nas
últimas décadas, o Beato João XXIII convidou com insistência os Bispos
brasileiros a prepararem o seu primeiro plano pastoral e, daquele início,
cresceu uma verdadeira tradição pastoral no Brasil, que fez com que a Igreja
não fosse um transatlântico à deriva, mas tivesse sempre uma bússola. O Servo
de Deus Paulo VI, para além de encorajar a recepção
do Concílio Vaticano II, com fidelidade mas
também com traços originais (veja-se a Assembleia Geral do CELAM, em Medellín),
influiu decisivamente sobre a autoconsciência da Igreja no Brasil através do
Sínodo sobre a evangelização e de um texto fundamental de referência que
continua atual: a Evangelii nuntiandi.
O Beato João Paulo II visitou o Brasil três vezes,
percorrendo-o de cabo a rabo, de norte a sul, insistindo sobre a missão
pastoral da Igreja, a comunhão e participação, a preparação do Grande Jubileu,
a nova evangelização. Bento XVI escolheu Aparecida para realizar
a V Assembleia Geral do CELAM e isso deixou uma grande marca na Igreja de todo
o Continente.
A Igreja no
Brasil recebeu e aplicou com originalidade o Concílio Vaticano II e o percurso
realizado, embora tenha tido de superar determinadas doenças infantis, levou a
uma Igreja gradualmente mais madura, aberta, generosa, missionária.
Hoje estamos
em um novo momento. Segundo a feliz expressão do Documento de Aparecida, não é
uma época de mudança, mas uma mudança de época. Sendo assim, hoje é cada vez
mais urgente nos perguntarmos: O que Deus pede a nós? A esta pergunta, queria
tentar oferecer qualquer linha de resposta.
3. O ícone de
Emaús como chave de leitura do presente e do futuro
Antes de mais
nada, não devemos ceder ao medo, de que falava o Beato John Henry Newman: «O
mundo cristão está gradualmente se tornando estéril, e esgota-se como uma terra
profundamente explorada que se torna areia».[3] Não
devemos ceder ao desencanto, ao desânimo, às lamentações. Nós trabalhamos duro
e, às vezes, nos parece acabar derrotados: apodera-se de nós o
sentimento de quem tem de fazer o balanço de uma estação já perdida, olhando
para aqueles que nos deixam ou já não nos consideram credíveis, relevantes.
Vamos ler a
esta luz, mais uma vez, o episódio de Emaús (cf. Lc 24, 13-15). Os dois
discípulos escapam de Jerusalém. Eles se afastam da «nudez» de Deus. Estão
escandalizados com o falimento do Messias, em quem haviam esperado e que agora
aparece irremediavelmente derrotado, humilhado, mesmo após o terceiro dia (cf.
vv. 17-21). O mistério difícil das pessoas que abandonam a Igreja; de pessoas
que, após deixar-se iludir por outras propostas, consideram que a Igreja – a
sua Jerusalém – nada mais possa lhes oferecer de significativo e importante. E
assim seguem pelo caminho sozinhos, com a sua desilusão. Talvez a Igreja lhes
apareça demasiado frágil, talvez demasiado longe das suas necessidades, talvez
demasiado pobre para dar resposta às suas inquietações, talvez demasiado fria
para com elas, talvez demasiado auto-referencial, talvez prisioneira da própria
linguagem rígida, talvez lhes pareça que o mundo fez da Igreja uma relíquia do
passado, insuficiente para as novas questões; talvez a Igreja tenha respostas
para a infância do homem, mas não para a sua idade adulta.[4] O
fato é que hoje há muitos que são como os dois discípulos de Emaús; e não
apenas aqueles que buscam respostas nos novos e difusos grupos religiosos, mas
também aqueles que parecem já viver sem Deus tanto em teoria como na prática.
Perante esta
situação, o que fazer?
Faz falta uma
Igreja que não tenha medo de entrar na noite deles. Precisamos de uma
Igreja capaz de encontrá-los no seu caminho. Precisamos de uma Igreja capaz de
inserir-se na sua conversa. Precisamos de uma Igreja que saiba dialogar com
aqueles discípulos, que, fugindo de Jerusalém, vagam sem meta, sozinhos, com o
seu próprio desencanto, com a desilusão de um cristianismo considerado hoje um
terreno estéril, infecundo, incapaz de gerar sentido.
A globalização
implacável e a intensa urbanização, frequentemente selvagem,
prometeram muito. Muitos se enamoraram das suas potencialidades e, nelas,
existe algo de verdadeiramente positivo, como, por exemplo, a diminuição das
distâncias, a aproximação das pessoas à cultura, a difusão da informação e dos
serviços. Mas, por outro lado, muitos vivem os seus efeitos negativos sem
dar-se conta de quanto esses prejudicam a própria visão do homem e do mundo,
gerando maior desorientação e um vazio que não conseguem explicar. Alguns
destes efeitos são a confusão acerca do sentido da vida, a desintegração
pessoal, a perda da experiência de pertencer a um «ninho», a carência de um lugar
e de laços profundos.
E, como não há
quem lhes faça companhia e mostre com a própria vida o caminho verdadeiro,
muitos buscaram atalhos, porque se apresenta demasiado alta a «medida» da
Grande Igreja. Também existem aqueles que reconhecem o ideal do homem e de vida
proposto pela Igreja, mas não têm a audácia de abraçá-lo. Pensam que este ideal
seja grande demais para eles, esteja fora das suas possibilidades; a meta a
alcançar é inatingível. Todavia não podem viver sem ter pelo menos alguma coisa
– nem que seja uma caricatura – daquilo que é parece
demasiado alto e distante. Com a desilusão no coração, partem à procura de
qualquer coisa que lhes iludirá uma vez mais, ou resignam-se a uma adesão
parcial que, em última análise, não consegue dar plenitude à sua vida.
A grande
sensação de abandono e solidão, de não pertencerem sequer a si mesmos que
muitas vezes surge dessa situação, é dolorosa demais para ser silenciada. Há
necessidade de desabafar, restando-lhes então a via da lamentação. Mas a
própria lamentação torna-se, por sua vez, como um bumerangue que
regressa e acaba aumentando a infelicidade. Ainda poucas pessoas são capazes de
ouvir a dor: é preciso pelo menos anestesiá-lo.
Perante este
panorama, precisamos de uma Igreja capaz de fazer companhia, de ir para além da
simples escuta; uma Igreja, que acompanha o caminho pondo-se em viagem com as
pessoas; uma Igreja capaz de decifrar a noite contida na fuga de tantos irmãos
e irmãs de Jerusalém; uma Igreja que se dê conta de como as razões, pelas quais
há pessoas que se afastam, contém já em si mesmas também as razões para um
possível retorno, mas é necessário saber ler a totalidade com coragem. Jesus
deu calor ao coração dos discípulos de Emaús.
Eu gostaria
que hoje nos perguntássemos todos: Somos ainda uma Igreja capaz de aquecer o
coração? Uma Igreja capaz de reconduzir a Jerusalém? Capaz de acompanhar de
novo a casa? Em Jerusalém, residem as nossas fontes: Escritura, Catequese,
Sacramentos, Comunidade, amizade do Senhor, Maria e os Apóstolos... Somos ainda
capazes de contar de tal modo essas fontes, que despertem o encanto pela sua
beleza?
Muitos se
foram, porque lhes foi prometido algo de mais alto, algo de mais forte,
algo de mais rápido.
Mas haverá
algo de mais alto que o amor revelado em Jerusalém? Nada é mais alto do
que o abaixamento da Cruz, porque lá se atinge verdadeiramente a altura do
amor! Somos ainda capazes de mostrar esta verdade para aqueles que pensam que a
verdadeira altura da vida esteja em outro lugar?
Porventura se
conhece algo de mais forte que a força escondida na fragilidade do amor,
do bem, da verdade, da beleza?
A busca do que
é cada vez mais rápido atrai o homem de hoje: internet rápida, carros
velozes, aviões rápidos, relatórios rápidos... E, todavia, se sente uma
necessidade desesperada de calma, quero dizer , de lentidão. A Igreja
sabe ainda ser lenta: no tempo para ouvir, na paciência para costurar novamente
e reconstruir? Ou a própria Igreja já se deixa arrastar pelo frenesi da
eficiência? Recuperemos, queridos Irmãos, a calma de saber sintonizar o passo
com as possibilidades dos peregrinos, com os seus ritmos de caminhada,
recuperemos a capacidade de estar lhes sempre perto para permitir a eles
abrirem uma brecha no desencanto que existe nos corações, para que possam
entrar. Eles querem esquecer Jerusalém onde residem as suas fontes, mas assim
acabarão por sentir sede. Faz falta uma Igreja ainda capaz de acompanhar o
regresso a Jerusalém! Uma Igreja, que seja capaz de fazer descobrir as coisas
gloriosas e estupendas que se dizem de Jerusalém, de fazer entender que ela é
minha Mãe, nossa Mãe, e não somos órfãos! Nela nascemos. Onde está a nossa
Jerusalém em que nascemos? No Batismo, no primeiro encontro de amor, na
chamada, na vocação![5] Precisamos
de uma Igreja que volte a dar calor, a inflamar o coração.
Precisamos de
uma Igreja capaz ainda de devolver a cidadania a muitos de seus filhos que
caminham como em um êxodo.
4. Os desafios
da Igreja no Brasil
À luz do que
eu disse, quero sublinhar alguns desafios da amada Igreja que está no Brasil.
A prioridade
da formação: Bispos, sacerdotes, religiosos, leigos
Queridos irmãos,
senão formarmos ministros capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar
na noite com elas, de dialogarem com as suas ilusões e desilusões, de recompor
as suas desintegrações, o que poderemos esperar para o caminho presente e
futuro? Não é verdade que Deus se tenha obscurecido nelas. Aprendamos a olhar
mais profundamente: falta quem lhes aqueça o coração, como sucedeu com os
discípulos de Emaús (cf. Lc 24,32).
Por isso, é
importante promover e cuidar uma formação qualificada que crie pessoas capazes
de descer na noite sem ser invadidas pela escuridão e perder-se; capazes de
ouvir a ilusão de muitos, sem se deixar seduzir; capazes de acolher as
desilusões, sem desesperar-se nem precipitar na amargura; capazes de tocar a
desintegração alheia, sem se deixar dissolver e decompor na sua própria
identidade.
Precisamos de
uma solidez humana, cultural, afetiva, espiritual, doutrinal.[6] Queridos
Irmãos no Episcopado, é preciso ter a coragem de levar a fundo uma revisão das
estruturas de formação e preparação do clero e do laicato da Igreja que está no
Brasil. Não é suficiente uma vaga prioridade da formação, nem documentos ou
encontros. Faz falta a sabedoria prática de levantar estruturas duradouras de
preparação em âmbito local, regional, nacional e que sejam o verdadeiro coração
para o Episcopado, sem poupar forças, solicitude e assistência. A situação
atual exige uma formação qualificada em todos os níveis. Vocês, Bispos, não
podem delegar este dever, mas devem assumi-lo como algo de fundamental para o
caminho das suas Igrejas.
Colegialidade
e solidariedade da Conferência Episcopal
Para a Igreja
no Brasil, não basta um líder nacional; precisa de uma rede de «testemunhos»
regionais, que, falando a mesma linguagem, assegurem em todos os lugares, não a
unanimidade, mas a verdadeira unidade na riqueza da diversidade.
A comunhão é
uma teia que deve ser tecida com paciência e perseverança, que vai gradualmente
«aproximando os pontos» para permitir uma cobertura cada vez mais ampla e
densa. Um cobertor só com poucos fios de lã não aquece.
É importante
lembrar Aparecida, o método de congregar a diversidade; não tanto a diversidade
de ideias para produzir um documento, mas a variedade de experiências de Deus
para pôr em movimento uma dinâmica vital.
Os discípulos
de Emaús voltaram para Jerusalém, contando a experiência que tinham feito no
encontro com o Cristo Ressuscitado (cf. Lc 24, 33-35). E lá tomaram
conhecimento das outras manifestações do Senhor e das experiências dos seus
irmãos. A Conferência Episcopal é justamente um espaço vital para permitir tal
permuta de testemunhos sobre os encontros com o Ressuscitado, no norte, no sul,
no oeste... Faz falta, pois, uma progressiva valorização do elemento local e
regional. Não é suficiente a burocracia central, mas é preciso fazer crescer a
colegialidade e a solidariedade; será uma verdadeira riqueza para todos.[7]
Estado
permanente de missão e conversão pastoral
Aparecida
falou de estado permanente de missão[8]
e da necessidade de uma conversão pastoral.[9]
São dois resultados importantes daquela Assembleia para a Igreja inteira da região,
e o caminho realizado no Brasil a propósito destes dois pontos é significativo.
Quanto à
missão, há que lembrar que a urgência deriva de sua motivação interna, isto é,
trata-se de transmitir uma herança, e, quanto ao método, é decisivo lembrar que
uma herança sucede como na passagem do testemunho, do bastão, na corrida de
estafeta: não se joga ao ar e quem consegue apanhá-lo tem sorte, e quem não
consegue fica sem nada. Para transmitir a herança é preciso entregá-la
pessoalmente, tocar a pessoa para quem você quer doar, transmitir essa herança.
Quanto à
conversão pastoral, quero lembrar que «pastoral» nada mais é que o exercício da
maternidade da Igreja. Ela gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta,
conduz pela mão... Por isso, faz falta uma Igreja capaz de redescobrir as
entranhas maternas da misericórdia. Sem a misericórdia, poucas possibilidades
temos hoje de inserir-nos em um mundo de «feridos», que têm necessidade de
compreensão, de perdão, de amor.
Na missão,
mesmo continental,[10]
é muito importante reforçar a família, que permanece célula essencial para a
sociedade e para a Igreja; os jovens, que são o rosto futuro da Igreja; as
mulheres, que têm um papel fundamental na transmissão da fé e constituem uma
força quotidiana que faz evoluir uma sociedade e a renova. Não reduzamos o
empenho das mulheres na Igreja,; antes, pelo contrário,
promovamos o seu papel ativo na comunidade eclesial. Se a Igreja perde as
mulheres, na sua dimensão global e real, ela corre o risco da esterilidade.
Aparecida põe em evidência também a vocação e a missão do homem na família, na
Igreja e na sociedade, como pais, trabalhadores e cidadãos.[11] Tende
isso em séria consideração!
A função da
Igreja na sociedade
No âmbito da
sociedade, há somente uma coisa que a Igreja pede com particular clareza: a
liberdade de anunciar o Evangelho de modo integral, mesmo quando ele está em
contraste com o mundo, mesmo quando vai contra a corrente, defendendo o tesouro
de que é somente guardiã, e os valores dos quais não pode livremente dispor,
mas que recebeu e deve ser-lhes fiel.
A Igreja
afirma o direito de servir o homem na sua totalidade, dizendo-lhe o que Deus
revelou sobre o homem e sua realização, e ela deseja tornar presente aquele
patrimônio imaterial, sem o qual a sociedade se desintegra, as cidades seriam
arrasadas por seus próprios muros, abismos e barreiras. A Igreja tem o direito
e o dever de manter acesa a chama da liberdade e da unidade do homem.
Educação,
saúde, paz social são as urgências no Brasil. A Igreja tem uma palavra a dizer
sobre estes temas, porque, para responder adequadamente a esses desafios, não
são suficientes soluções meramente técnicas, mas é preciso ter uma visão
subjacente do homem, da sua liberdade, do seu valor, da sua abertura ao
transcendente. E vocês, queridos Irmãos, não tenham medo de oferecer esta
contribuição da Igreja que é para bem da sociedade inteira e de oferecer esta
palavra «encarnada» também com o testemunho.
A Amazônia
como teste decisivo, banco de prova para a Igreja e a sociedade brasileiras
Há um último
ponto sobre o qual gostava de deter-me e que considero relevante para o caminho
atual e futuro não só da Igreja no Brasil, mas também de toda a estrutura
social: a Amazônia. A Igreja está na Amazônia , não como aqueles que têm
as malas na mão para partir depois de terem explorado tudo o que puderam. Desde
o início que a Igreja está presente na Amazônia com missionários, congregações
religiosas, sacerdotes, leigos e bispos, e lá continua presente e determinante
no futuro daquela área. Penso no acolhimento que a Igreja na Amazônia oferece
hoje aos imigrantes haitianos depois do terrível terremoto que devastou o seu país.
Queria
convidar todos a refletirem sobre o que Aparecida disse a propósito da
Amazônia,[12] incluindo
o forte apelo ao respeito e à salvaguarda de toda a criação que Deus confiou ao
homem, não para que a explorasse rudemente, mas para que tornasse ela um
jardim. No desafio pastoral que representa a Amazônia, não posso deixar de
agradecer o que a Igreja no Brasil está fazendo: a Comissão Episcopal para a
Amazônia, criada em 1997, já deu muitos frutos e tantas dioceses responderam
pronta e generosamente ao pedido de solidariedade, enviando missionários,
leigos e sacerdotes. Agradeço a Dom Jaime Chemelo, pioneiro deste trabalho, e
ao Cardeal Hummes, atual presidente da Comissão. Mas eu gostava de acrescentar
que deveria ser mais incentivada e relançada a obra da Igreja. Fazem falta
formadores qualificados, especialmente formadores e professores de teologia,
para consolidar os resultados alcançados no campo da formação de um clero
autóctone, inclusive para se ter sacerdotes adaptados às condições locais e
consolidar por assim dizer o «rosto amazônico» da Igreja. Nisto lhes peço, por
favor, para serem corajosos, para terem parresia! No modo «porteño» [de
Buenos Aires] de falar, lhes diria para serem destemidos.
Queridos
Irmãos, procurei oferecer-lhes fraternalmente reflexões e linhas de ação em uma
Igreja como a que está no Brasil, que é um grande mosaico de pequeninas pedras,
de imagens, de formas, de problemas, de desafios, mas que por isso mesmo é uma
enorme riqueza. A Igreja não é jamais uniformidade, mas diversidades que se
harmonizam na unidade, e isso é válido em toda a realidade eclesial.
Que a Virgem
Imaculada Aparecida seja a estrela que ilumina o compromisso e o caminho de
vocês levarem Cristo, como Ela o fez, a cada homem e cada mulher de seu imenso
país. Será Ele, como fez com os dois discípulos extraviados e desiludidos de
Emaús, a aquecer o coração e a dar nova e segura esperança.
Fonte:
www.vatican.va
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